sábado, 15 de setembro de 2007

Capítulo 2

Sons como que de gotas d´agua caindo em pontos distantes e próximos, um ar abafado, malcheiroso e úmido. Tegállia levanta num salto com uma forte dor de cabeça, assustado e confuso. Onde estava a floresta, o deserto e Dállet? Fora ele levado para dentro da cidade?
Era um local escuro, num enorme cano velho despejavam filetes de água suja que se espalhava em vários córregos rasos, o chão era pastoso. No teto e em todo lugar, um musgo grosso e sujo se formava, e à sua frente nenhum caminho apenas uma parede
Sentado, pouco a pouco o garoto foi se lembrando do que aconteceu. Na saída da Vila dos Pescadores, quando estava prestes a tomar a trilha para Dállet fora tragado por um outro Buraco Negro Terrestre que vira naquela noite e agora, se as histórias sobre eles eram verdadeiras, podia estar em qualquer lugar desse ou de outro mundo.

Nesse momento algo se escuta vindo de cima, uma voz abafada e distante: - AD ! AD! Você esta ai ?

- após um curto intervalo a voz grita de novo.- AD ! AD!

O Coximiria escuta perplexo aquela voz. Um repentino alívio por saber que não estava sozinho. Subitamente ele levanta-se e passa a se aproximar do enorme cano, acreditando ser a única saída possível daquele lugar. Lentamente ele se aproxima e pegando sua estilingueta ele olha para adentro do cano. Havia uma luz a alguns metros, seria a saída? Num impulso frenético o garoto enfrenta o nojo e o fedor e se joga para dentro do cano rapidamente, ele sairia de lá e talvez pudesse saber aonde fora parar.
Mas não foi o que aconteceu. Um terror e um desespero sem precedentes se apoderaram dele: Era um horrendo pesadelo. Grades de um ferro negro e grosso bloqueavam a saída, porém, mesmo se quisesse não poderia se mover, pois estava numa espécie de buraco enorme, profundo, infestado em suas paredes com canos iguais aquele em que estava.
Gritos desesperados e sussurros fracos se ouviam acima e abaixo dele. E submerso na água, num canto mais escuro da grade algo estava morto e boiava, o cheiro de carniça enchia o ar. Tegállia tenta se aproximar ao máximo e com sua estilingueta, toca o estranho ser. Parecia um homem, porém estava coberto de pelos, seu rosto era semelhante aos felinos com orelhas pontudas tratava-se do cadáver de um Homem-Gato, conhecidos pelos homens como Femus. Uma raça bastante conhecida, porém pouco comum nas cidades do Deserto Vermelho.

Certamente era ele o prisioneiro original daquele lugar, porém, enfraquecido pela fome ou doença acabou morrendo. E isso aconteceria com ele se não pensasse num modo de sair. Ao longe escuta um choro proveniente de alguma das prisões abaixo.
A voz vinda de cima é novamente ouvida:

- Maldição ! AD, Sobá onde estão vocês !

E nesse momento, do outro lado do poço, uma outra voz é ouvida bem alto:

- Nuu, estou aqui !

Um grande eco se vez ressoar e algumas vozes dos buracos gritavam e choravam.

-Já os localizei, irei tirá-los daí.

De um buraco a frente do outro lado do grande poço, ocorre uma explosão e a grade na beira do cano é arremessada para as profundezas. Um homem rapidamente sai e num estupendo salto chega até a prisão acima de onde o Coximíria estava. Gritos de exaltação ecoam por todo o lugar.

-Rápido, ele logo irá sair !. Grita a voz vinda de cima.

-Afasta-se das grades – diz o outro- e um forte barulho se fez ouvir, poeira e a grade de cima da prisão de Tegállia também é arremessada nas profundesas.

O Coximiria assistia a tudo impressionado com tão forte homem capaz de destruir aquelas poderosas barras de ferro.

- Os outros presos gritavam cada vez mais forte para também serem libertos.

O pobre garoto das montanhas ainda não fazia idéia de onde estava. Como pode ser transportado para um lugar tão aterrorizante como aquele ? Estaria ele em alguma masmorra dos cruéis Godos ? Uma raça de seres cruéis parentes próximos dos Trolls porém menores e mais inteligente que viviam em imensas fortalezas construídas em desertos e planícies?

Tegállia não via outro meio de escapar a não ser clamar ao forte homem que o libertasse também. O cheiro podre daquele cadáver de Femus boiando a seu lado fazia aumentar seu desespero. E pela grade dois vultos são vistos pulando em direção ao abismo. O homem forte e seu amigo da prisão acima dele escaparam. Os gritos de choro e desespero continuavam e aumentara quando os dois se foram em direção às profundezas.

Devido ao forte cheiro, Tegállia sai do cano e volta à pequena sala onde acordara. Ele estava perdido, e sabia que morreria ali. Tomado por uma paz que nem mesmo ele entendeu, o Coximiria simplesmente senta e consegue dormir profundamente.

Ele acorda com o seu de vozes e lentamente abrindo os olhos vê alguma coisa saindo de uma grande rachadura no teto, era peluda com aparência humana e olhos de gato. Num pulo ele se levanta. Haviam dois Femus na prisão em que ele estava. As duas criaturas olham bruscamente para ele e rosnam. Dentes pontudos e selvagens são vistos em suas bocas, olhos de predadores e garras afiadas e negras. Tegállia fica totalmente paralisado

Capítulo 1

Dentre as Cidades dos Grandes Lagos, a maior e a mais conhecida era Dallet, construída às margens do grande Nórdigo, o lago das praias que é cortado até a metade pelo muro de pedra.
Era outono, e nessa época do ano, o Deserto Vermelho ficava muito mais hospitaleiro e suas areias, de um profundo escarlate, pouco se desprendiam de suas bases.
Junto com o outono, vinha também o período de festas e diversão para as cidades espalhadas por ele, principalmente, àquelas próximas aos Grandes Lagos.
Já faziam duas semanas que o Circo chegara a Dállet, espalhando por suas ruas estreitas o colorido e a alegria. Animais amestrados, palhaços e malabaristas misturavam-se com o enxame de estrangeiros que vinham dos mais longínquos lugares apenas para participar destas celebrações em meio a um amontoado de comerciantes que se aproveitavam destes dias para lucrarem em seus negócios. Encontrava-se praticamente de tudo em suas tendas. Tecidos finos, mantos coloridos de Utelle , Tapetes de Ondurim, colares dos mais variados tipos, feitos de pedras preciosas ou com peixinhos coloridos capturados nas praias rasas e claras, animais exóticos, poções, perfumes e raízes.

Em Dállet, havia uma exótica tradição nesses dias: Iniciava-se, assim que o Circo entrava por seus portões. Cada morador pintava sua casa com uma cor específica, estabelecida em sorteio, e deveria faze-lo antes da lua nova, que ocorria sempre uma noite após o início das festas. O resultado era algo maravilhoso. A cidade inteira tornava-se um vivo arco-íris, fazendo renascer a alegria no mais escuro dos corações que por ela passasse.
Na região que contorna os lagos, havia enormes paredões de rocha conhecidos como Montanhas Coximíria. Nessas rochas, vivia um grupo peculiar de homens, conhecidos como Coximírias. Desde tempos imemoriais, esse povo constrói sua morada nas centenas de cavernas existentes nesse paredão. Acredita-se, que seus antepassados viviam nas planícies do sul, e que devido à marcha dos Baçardos, migraram para o norte, sendo que uma parte estabeleceu-se nas planícies próspera do Lago Dourando. Sua migração para as montanhas ocorreu séculos depois, mas pouco se sabe sobre as causas dessa mudança, acreditando-se em duas possibilidades: A primeira teoria diz respeito a escassez de alimentos, a outra acredita-se que foram vítimas das constantes invasões e ataques dos povos que primeiro habitavam os Lagos.
Nos séculos seguintes, esse povo multiplicou-se e desenvolveu-se imensamente.

Cada tribo é possuidora de uma caverna, sendo que a única forma de se entrar ou sair por elas era por meio de pequenas abertura circular cavada na rocha pura. Porém, o que mais
chamava a atenção desse povo é sua capacidade arquitetônica: Para a sua locomoção, esses homens desenvolveram ao longo dos séculos, um engenhoso sistema de correntes, passarelas e cordas que corriam por toda a extensão dos paredões e por onde também se transportava mercadorias, animais e a água retirada dos lagos. Essa imensa obra arquitetônica fez dos Montes Coximíria uma das maravilhas do mundo, tornando bastante famosos esses homens, sendo considerados um dos mais hábeis arquitetos entre a raça dos homens. Eram os habilidosos Homens Formiga, ou Homens Toupeira para alguns.

Havia um Coximiria que acabara de sair de sua caverna e estava rumando em direção à Dállet, pois o Circo lá estava. Seu nome era Tegállia, era novo ainda, sua pele mais branca do que a neve, pois essa era a cor dos Coximirias, afinal, o Sol não entrava em seus buracos escuros e abafados e eles assim gostavam.Tegállia amava o circo. Descendo até a base da montanha, ele começa sua caminhada. Passaria por diversas praias de areia fofa e áreas rochosas repletas de buraquinhos de caranguejos e baratas do mar, sempre com a sombra confortante dos imponentes paredões à esquerda. Após a área pedregosa, a água dos lagos avançava bastante e se encontrava diretamente com a rocha, assim seguindo por quilômetros. Porém, a água era rasa nas margens, e o garoto continuava sua longa caminhada, seguindo sempre na direção do grande Muro de Pedra que crescia à sua frente e escondia o Sol já no final da tarde. E quanto mais se aproximava, mais a água ia ficando rasa e clara.

Naquelas horas no final da tarde, muitas crianças de vilarejos próximas nadavam perto das bases do Muro onde a profundidade aumentava subitamente. As crianças maiores, arriscavam-se em ousados mergulhos usando a pedra como trampolim, outras preferiam se divertir nas partes rasas jogando água uns nos outros ou simplesmente relaxando na sombra. Diversas espécies de estrelas do mar podiam ser vistas no fundo e nas paredes e buracos haviam centenas de ouriços.
Por horas o garoto andou, até que finalmente o Sol se pôs por completo e a escuridão estava chegando.O garoto já terminara de contornar o Grande Muro.
A lua e as estrelas surgiam no céu, refletindo sua imagem na água. Tegállia decidiu descansar em cima de uma pedra bem no meio do lago e estava adorando ficar ali, pois conseguia enxergar, ao longe, as cintilantes luzinhas de incontáveis cidades e vilas adiante. Nesse momento uma brisa fresca começa a soprar e ouvia-se som de pequenas ondas se formando e chocando-se com a pedra em que estava. A lua ainda estava no inicio de sua trajetória e o garoto teria, até a metade de sua viagem do céu, para chegar a seu destino, pois era nesse ponto da noite que as festas realmente começavam. Por isso ele devia apressar-se e, num pulo, recomeça a caminhar.

Tegállia não tinha medo da escuridão, e não temia qualquer tipo de perigo noturno, pois os monstros e ladrões eram raros dentro do circulo entre os paredões de pedra. O perigo real mesmo estava em algumas espécies de serpentes venenosas que saiam para caçar durante a noite.
Porém, as estradas para Dallet não eram todas seguras, principalmente a que passava pela Vila dos Pescadores, onde o deserto e a floresta Durann se encontravam.
Embora esse caminho fosse o meio mais rápido de se chegar a Dállet era pela maioria dos viajantes evitada principalmente durante a noite. Pois ao longo desse séculos, as mulheres tiveram muitos filhos homens, nascidos dos desejos de seus pais quando já haviam tido cinco meninas, e buscavam desesperadamente herdeiros no duro oficio. E por mais que as maldições estivessem adormecidas e esquecidas nesta Era, elas ainda existiam e os homens que cresciam nestas vilas não paravam de olhar para a lua.

Tegállia não se importava com esses histórias tolas e se dirigiu sem demora para a trilha que levaria a Vila.
Logo no inicio notava-se que o caminho entraria cada vez mais fundo na mata escura terminando, depois de algumas horas, numa pequena elevação a poucos quilômetros de Dallet
A estradinha estreitava-se conforme se avançava. Ainda era o inicio da noite, pois notara que as casas no caminho ainda mantinham os lampiões acessos. Todas eram de madeira a maioria rodeada de cercanias onde se viam enormes porcos e magras galinhas. Redes enormes pendiam do telhado de algumas delas, e a maioria estava um tanto úmidas dando a impressão que os seus humildes moradores acabavam de chegar. Grilos e Cigarras passaram a encher o ar, abafado pelo extenso matagal de ambos os lados.

Já se faziam mais de uma hora de caminhada, logo a trilha terminaria numa extensa clareira onde, logo abaixo, se veria os grandes lagos e suas cidades superpovoadas.
Tegállia teve a ligeira impressão de que, de onde estava, dava para se ouvir o som das festas. Sem pensar duas vezes, ele aumenta o seu passo. Um pouco mais à frente havia um tranqüilo regato atravessado por uma ponte de madeira. O Coximiria não pensa duas vezes e pára a fim de abastecer o seu cantil. Os coximirias não costumavam viajar com muita coisa. Geralmente carregavam nada mais que um cantil preso a seu cinto, algumas moedas de prata nos bolsos e uma arma conhecida como Chilingueta feita de madeira capaz de arremessar com grande pressão pedras preparadas ou espinhos de ouriço, que os Coximirias manejavam com grande precisão. Os Coximirias não eram um povo bélico, e em todas essas eras jamais participaram de qualquer guerra. Não havia grandes ferreiros e nem heróis entre eles.

Tegállia, havia ficado mais tempo do que esperava naquele regato, pois a calmaria e o frescor o prendiam. Ele bebia lentamente a refrescante água sem a menor pressa ou qualquer receio. Muitas estrelas se viam no céu embora a lua ainda estivesse por detrás das árvores.
Um assustador uivo, inesperado, assustador, rasga o silêncio. Tegállia, não esperando tamanho susto, simplesmente o escuta paralisado no lugar em que estava. E então ele observa: Do outro lado do pequeno regato, com os olhos vermelhos, pelo marrom, arfando, estava um enorme animal. Ele não correria e nem se moveria, pois sabia que seria pior. Por sorte, o animal não notara sua presença.

O máximo que conseguiu fazer, foi lentamente armar-se com sua Chilingueta e agachar-se, esperando até que o monstro voltasse para o mato.
Sus pernas tremiam, o medo o fizera prender a respiração e ele olhava atento a cada movimento. O garoto estava perplexo, pois em todas as suas vagens pela estrada da Vila dos pescadores jamais vira nem mesmo uma coruja. O que afinal aquele animal horrendo fazia andando por aquela região ?

E então, sons vindos de amaldiçoadas gargantas cortaram o ar. Era uivos terríveis vindos de todos os lados. Tegállia, de um pavor incontrolável permanecia no mesmo lugar. O garoto estava sozinho, de noite, numa mata infestada de lobisomens.
O Coximiria já se considerava condenado, não havia para onde fugir. O lobo à sua frente já havia ido embora, mas os uivos dos outros animais ainda se ouviam ao redor. Ele permaneceu ali, esperando, o que pareceu uma eternidade e sempre invadido por pensamentos de desespero e perturbação.

Subitamente, os uivos cessaram, para em seguida serem ouvidos bem longe dali. A matilha de lobisomens fora embora.
Foi então que a luz apareceu, no caminho à frente de onde estava, diante dele, Tegállia contemplava um Buraco Negro Terrestre, um misterioso fenômeno comum que podia surgir, sem explicação, em qualquer hora e em qualquer lugar, para então desaparecer do mesmo modo. Porem, nesses poucos segundos, elas causavam coisas estranhas: Homens desapareciam para sempre, cidades e até mesmo estrelas mudavam de lugar. Alguns diziam serem portais para outras Eras e outras Dimensões.
Era um pequena bola de luz branca que iluminava muito pouco o seu redor. Parecendo uma distante ilusão e logo em seguida desaparece assim como os lobos.
Fora de fato uma viajem incomum para o garoto, ou melhor dizendo, a mais estranha situação que ele já passou em toda sua vida. Numa mesma noite quase fora devorado por uma matilha de lobisomens e avistou um Buraco Negro Terrestre surgir e desaparecer na sua frente.

Tegállia ainda permaneceu um bom tempo parado, escondido no regato que corria sem cessar. Certamente as festas em Dállet que estava apenas a alguns quilômetros dali já haviam começado, mas devido ao grande susto, o Coximiria não se atreveria a continuar enquanto não tivesse certeza de que tudo estava novamente em ordem.
Mas de uma hora se passou, e o barulho da floresta havia retornado. Quanto mais as horas da noite avançavam, mas o ar frio soprava e Tegállia finalmente decidiu prosseguir sua jornada.
Seu caminho prosseguiu sem problemas por mais de meia hora, e então finalmente, ao longe, abaixo, ele avista Dallet, a maravilha do Deserto a mãe e acolhedora de todos os povos da região. O brilho que emanava estendia-se por vários quilômetros chegando até aos paredões do sul e aos lagos e o ruído de festa enchia o ar.

Tegállia sempre se maravilhava com essa cidade, não importava quantas vezes a contempla-se e apertando o passo começa a descer o morro onde se encontrava afastando-se da região de matas.
Mas a pequena luz de novo surgiu em sua frente, o garoto pula para trás mas era tarde demais:Uma força poderosa o puxava para a pequena bola de luz.
Um calor começa a crescer e o mundo entorta e se inclina. Em segundos, o garoto via as árvores, as nuvens e as estrelas embaixo de seus pés que ficavam cada vez mais cumpridos e iam se esticando para o infinito à sua frente, até que tudo fica escuro e silencioso novamente.


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